Pela primeira vez em BH, mulher é promovida a major do Exército

O Exército Brasileiro promoveu, na última quinta-feira (27), a primeira major mulher do Exército em Belo Horizonte. A partir de hoje, Ana Mara Paulette Nepomuceno de Freitas passa a exibir um distintivo com três estrelas, uma delas “gemada”, com bordados especiais, indicando a mais nova patente.

A conquista ainda é para poucos. Só em 2008 o Brasil teve a primeira mulher com a patente de major. As mulheres, aliás, só foram aceitas no Exército em 1992, numa turma que é conhecida como “turma Maria Quitéria”. Até hoje são minoria no sistema de defesa brasileiro. Entre os 358 militares do Colégio Militar de Belo Horizonte, onde trabalha a major Ana Mara, há apenas 30 mulheres, entre tenentes e capitães (que também possuem distintivos com uma a três estrelas, mas nenhuma “gemada”, a que só os majores, tenentes-coronéis e coronéis fazem jus).

A promoção culmina 15 anos de carreira militar de Ana Mara e só pôde ser adquirida porque, além de ter um tempo mínimo de trabalho, a major também passou em todas as avaliações de desempenho profissional, teste físico e de tiro.

Sonho de criança
A carreira militar é um sonho da major Ana Mara desde criança. Todos os anos, ela acordava cheia de expectativa no dia Sete de Setembro para assistir aos desfiles do Exército. “Eu queria ser militar, usar farda, participar das solenidades.” Sua vontade era desincentivada pelos pais, que não viam sentido na “fantasia”, mas mais tarde passaram a dar “total e irrestrito apoio” ao sonho. Ela acredita que a carreira militar seja sua “aptidão”.


Chegar até o Exército não foi tão fácil. Aos 18 anos, ficou frustrada ao ser reprovada no concurso de tenente da Polícia Militar por causa do um grau de miopia em cada olho. Decidiu fazer Letras (português e inglês), que cursou na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e passou a lecionar em escolas municipais a partir dos 22 anos.

Foi só aos 25 que descobriu o concurso para o Quadro Complementar de Oficiais do Exército, que também admitia professores, e retomou o sonho de infância. “Se tivesse mulher no quadro de combatentes do Exército, eu teria ido para a área de combate. Tenho um espírito guerreiro”, diz ela. Como não há, ela ingressou na força de reserva, que ela chama de “militares de escritório”, acionada para participar de guerras e conflitos apenas depois que não há mais opção junto aos militares da Infantaria, Cavalaria e Artilharia.

O ingresso no quadro de oficiais do Exército se deu na terceira tentativa e ela começou a dar aulas de inglês no Colégio Militar, onde hoje ensina para adolescentes de 13 a 17 anos. É uma professora rigorosa – a “brava carinhosa”, como se define.

Sua rotina inclui, além das aulas, reuniões de teor militar, fiscalização de concursos e sindicâncias e a coordenação do trabalho de sete subordinados diretos, três militares e quatro civis.

Rotina atípica
Major Ana Mara sai da Vila Militar, no bairro São Francisco, região da Pampulha, e vai ao quartel, logo ao lado, às 6h40, diariamente. Deixa a única filha, Júlia Helena, de 9 anos, com a mãe e só volta a vê-la na hora do almoço. O expediente termina às 16h – descontando eventuais plantões de fim de semana e feriado, que duram mais, além de trabalhos noturnos.



A rotina “atípica” balançou a major quando ela teve Júlia, a filha que prefere ser diplomata a militar. “Quando ela nasceu, fiquei preocupada em como conciliar a carreira com a maternidade”. Por causa da criança, que tem na mãe uma referência e é extremamente carinhosa, ela recusou convites para participar de algumas missões no exterior.

Mas chegou a fazer parte, por seis meses, da Missão do Exército Brasileiro no Haiti, entre 2008 e 2009. A filha, que tinha quatro anos, ficou aos cuidados da mãe, a pensionista Nise Helena Nepomuceno, de 68 anos. “O apoio da minha mãe foi fundamental”, pede a major. “Tenho que homenageá-la.”

A experiência no Haiti foi a “mais enriquecedora” de sua vida. Ela mostra com orgulho o distintivo pregado na farda, mostrando que ela esteve lá – e foi uma das primeiras mulheres a chegar. “Aprendi muito com as dificuldades, a miséria alheia, passamos a dar mais valor à vida, ao conforto.” Ela serviu de intérprete da missão, participando de reuniões de planejamento entre os exércitos de mais de dez nacionalidades que atuavam no país. E teve que viver 24 horas por dia em um batalhão com 1.300 homens e apenas seis mulheres.

Apesar de ser parte da minoria feminina nas Forças Armadas, a major diz que nunca sofreu assédio. “Fui apenas cortejada, com certa discrição”. Preconceito existe, diz ela, mas não é ostensivo. “Ficam mais inseguros quando estou no comando. Em alguns momentos eu precisei provar que sou capaz.” Talvez por isso ela seja campeã de tiro entre as mulheres, embora tenha optado por não ter arma de fogo.

‘Batom é moral da tropa feminina’
Como todo mundo, é obrigada a usar farda diariamente, faça frio ou calor. Em uma Belo Horizonte com sensação térmica beirando os 40ºC, ela deu entrevista com o coturno, a calça, camiseta e blusa de combate (de manga comprida, dobrada) em tecido camuflado e a boina, obrigatória em locais abertos. Quando dá aula, ainda precisa pôr um jaleco branco sobre a farda. O cabelo é sempre preso.

Mas também não abre mão da vaidade: lápis no olho, batom (“Não sobrevivo sem um batom”), esmalte rendinha e um brinco dourado, que “não pode passar do lóbulo da orelha”.

Os 68 quilos em 1,70 metro de altura são mantidos pelos exercícios diários: 60 abdominais, 25 flexões e corrida – 2,5 quilômetros têm que ser cumpridos em 12 minutos nos testes físicos rotineiros.

Foi assim, correndo entre as salas de aula e o trabalho militar, o divórcio e o cuidado com a filha, e entre uma missão importante no Haiti e preconceitos corriqueiros em Belo Horizonte, que Ana Mara chegou a sua promoção aos 42 anos, sua “conquista pessoal”.

A filha Júlia Helena, que entregou uma orquídea para a mãe na solenidade de entrega do distintivo, não esconde a expectativa: “Minha mãe também vai ser a primeira tenente-coronel mulher, daqui a pouco”, antevê.

Em mais cinco anos, a futura diplomata vai poder conferir a previsão.

Fonte: G1





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